
Apesar de não ser uma atuação contábil propriamente dita, o fato é que os profissionais que atendem empresas do ramo imobiliário precisam estar atualizados sobre as diferentes formas de estruturar os negócios de seu cliente, inclusive quanto às modalidades de empreendimento imobiliário. Finalmente o governo publicou legislação abordando as multipropriedades, que na prática já vinham ganhando mercado, mas sobre as quais não havia nada publicado oficialmente. Nesse texto vou compartilhar com você o essencial sobre o tema, para você se manter à frente e oferecer serviços de qualidade.
A forma de explorar empreendimentos imobiliários vem evoluindo bastante. Já se foi o tempo em que simplesmente fazer uma incorporação ou um loteamento era o suficiente nesse mercado tão competitivo. Modalidades como coworking, coliving, time-sharing e pool hoteleiro se tornam cada vez mais populares, pois suas particularidades atendem necessidades e desejos de um público cada vez mais complexo.
Há muitas potencialidades na forma de utilizar a multipropriedade, inclusive combinando com atividades hoteleiras, de locação, de incorporação etc. Nos tópicos a seguir, minha intenção é abordar os pontos fundamentais da Lei nº 13.777/18, mas certamente o assunto é muito mais amplo e vai demandar boas conversas a respeito.
A Multipropriedade
A Lei nº 13.777/18 instituiu oficialmente a multipropriedade, apesar do mercado já explorar esse formato há bastante tempo. Este conceito nada mais é do que um regime de condomínio, ou seja, um imóvel que tem mais de um proprietário ao mesmo tempo. No caso da multipropriedade, os titulares adquirem fração de tempo, o que lhe dá direito de uso/gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, dentro da divisão de tempo prevista.
Aqui, é necessário compreender outro conceito, o de “Fração de Tempo”.
Fração de Tempo
O tempo de uso do imóvel objeto da multipropriedade poderá ser fracionado de tal maneira que cada fração corresponda a, no mínimo, sete dias. Esse tempo poderá ser em dias seguidos ou intercalados.
Todos os multiproprietários devem ter direito a uma mesma quantidade mínima de dias seguidos durante o ano. Respeitando-se isso, determinados multiproprietários podem adquirir frações maiores que a mínima. Assim, alguns podem ter uso em período maior que outros, desde que todos tenham garantido seu uso mínimo.
O período de uso da fração de tempo poderá ser feito por modalidades fixa, flutuante ou mista, conforme definido nos instrumentos de constituição da multipropriedade.
Instituição da Multipropriedade
A multipropriedade pode ser instituída por ato entre vivos ou por testamento, havendo o devido registro no Cartório de Registro de Imóveis. Neste ato que institui a multipropriedade, devem ser previstas as frações de tempo com sua correspondente duração.
Assim, da mesma forma que um imóvel dividido em frações ideais dá origem a um condomínio edilício, um imóvel dividido em frações de tempo dá origem a um condomínio em multipropriedade. Estas duas estruturas, inclusive, podem coexistir. Ou seja: um imóvel pode ser dividido em frações ideais num processo de incorporação imobiliária, dando origem a algumas unidades autônomas de proprietário único e outras de multiproprietários.
Na elaboração da convenção do condomínio edilício, do memorial de loteamento e do instrumento de venda de lotes, estes documentos podem limitar ou até mesmo impedir a instituição de multipropriedade nos imóveis de que tratam. Havendo vedação, esta somente poderá ser alterada com quórum mínimo da maioria absoluta dos condôminos.
Condomínio em Multipropriedade dentro do Condomínio Edilício
A multipropriedade em unidades autônomas pertencentes a um condomínio edilício pode decorrer de previsão no instrumento de instituição do condomínio edilício ou através da deliberação da maioria absoluta dos condôminos.
Administração da Multipropriedade
O instrumento de instituição ou a convenção do condomínio em multipropriedade deve indicar a pessoa responsável pela administração do imóvel e de suas instalações, equipamentos e mobiliário. Se tais instrumentos não indicarem tal pessoa, caberá aos multiproprietários, em assembleia geral, eleger este administrador.
Nos casos em que um condomínio edilício possua multipropriedade, a Lei nº 13.777/18 exige que a administração deste condomínio edilício seja atribuída a administrador profissional, o qual poderá ou não ser um prestador de serviços de hospedagem. O prazo do contrato de administração poderá ser livremente convencionado.
Direitos do Multiproprietário
O multiproprietário tem garantido em Lei o direito de usar e gozar do imóvel, de suas instalações, equipamentos e mobiliários durante todo o período correspondente à sua fração de tempo. Além disso, e de todos os direitos previstos no instrumento de instituição e na convenção do condomínio em multipropriedade, também são previstos em Lei os seguintes direitos ao multiproprietário:
I – Ceder a fração de tempo através de locação ou comodato;
II – Alienar a fração de tempo, seja por ato entre vivos ou por causa mortis, a título oneroso ou gratuito, ou a onerar.
Apesar da propriedade de uma fração de tempo parecer algo volátil, a Lei nº 13.777/18 dispõe de forma taxativa quanto à autonomia de dispor e ceder a fração de tempo. A transferência do direito da multipropriedade e sua produção de efeitos perante terceiros observa a lei civil e não depende de anuência ou cientificação dos demais multiproprietário.
Além disso, quando um multiproprietário alienar sua fração de tempo, em regra geral não há direito de preferência nem dos demais multiproprietários e nem do instituidor da multipropriedade. Contudo, tal preferência pode ser constituída no instrumento de instituição ou na convenção do condomínio em multipropriedade.