
Já ouviu falar de SCP? Já teve a impressão de que Sociedade em Conta de Participação é complicada? Então vamos falar disso de uma forma simples, direta e prática.
Pra mim, é uma das mais “diferentonas” das sociedades previstas no regramento brasileiro. Não é difícil, não é complicado.. é só diferente da maioria. Para o Código Civil, ela não tem personalidade própria (uma das duas sociedades não personificadas existentes). Para fins tributários, se equipara a uma PJ desde 1987. Para fins contábeis, é uma entidade, com patrimônio e resultado independentes.
Agora, juntando tudo isso, a SCP é uma ferramenta muito interessante para planejamentos tributários e estruturação de negócios. Dentro e fora do ambiente imobiliário. Esse texto não vai esgotar o tema, com certeza. Mas eu quero que de forma rápida e direta, você tenha uma boa visão geral. A partir dela, podemos nos aprofundar.
Onde pesquisar a respeito
Você até encontra livros a respeito. O problema, a meu ver, é que eles não costumam ir muito além do que já está na letra da lei. Assim, se fosse pra eu lhe dar um conselho para entender o funcionamento da SCP, a primeira coisa que eu lhe indicaria é o Código Civil. Sim, nele, dos arts. 991 a 996, você tem a essência da SCP. Aí depois é só ir aprofundando.
No âmbito tributário, minha dica é a Instrução Normativa SRF 179/87, que é toda sobre SCP. Depois há um trechinho na Instrução Normativa RFB 1700/17 sobre Sociedade em Conta de Participação, é só dar um Ctrl+F no termo.
Já no aspecto contábil, concentre-se nos CPCs 18, 19 e 36. Além disso, a Interpretação ICPC 09 será muito útil. Você não vai encontrar a expressão SCP, mas fique de olho em Joint Venture e em Coligada ou Controlada.
A essência da SCP
Sem ficar criando muito monstro onde não existe, SCP é uma sociedade. Simples assim. Isso ajuda a lembrar o óbvio: uma sociedade é composta de sócios. Sócios que reúnem recursos para realizar um objetivo em comum (o objetivo social). Realização essa que gera resultado (lucro ou prejuízo). Parece óbvio, né? Mas eu escuto direto perguntas do tipo:
– Sócio de SCP precisa receber lucro?
– Como faz pra entrar numa SCP e sair com o imóvel?
– Se a SCP tiver prejuízo, como distribuo lucro pro sócio?
– A SCP precisa ter uma atividade?
Se você encarar a SCP como de fato ela é (uma sociedade), essas dúvidas nem fazem sentido.
Tipos de sócio
Assim como na sociedade comandita simples, a SCP tem dois tipos de sócio. O primeiro, é o sócio ostensivo. Ele é quem vai fazer tudo pela SCP, quem vai agir e aparecer perante terceiros. É o sócio ostensivo que, em seu nome e em seu CNPJ, mata no peito e faz o objetivo social acontecer. O cara assume a responsabilidade ilimitada perante terceiros. Isso faz a vida do outro tipo de sócio muito mais fácil no risco com terceiros. Como é ele quem realiza a atividade econômica, ser pessoa física, nem pensar.
O outro tipo de sócio é o sócio participante. Ele já foi, antigamente, chamado de sócio oculto. Mas, usar essa expressão denota idade (ou desatualização). É tipo falar em “passivo a descoberto” ou “receita diferida” na contabilidade. Ou usar gírias do tipo “do balacobaco” ou “pra frentex”. O sócio participante é uma pessoa física ou jurídica. Ele aporta na sociedade, delibera com o sócio ostensivo, participa dos resultados (positivos ou negativos). Mas sua responsabilidade é com ele, não com terceiros.
Contabilidade
Encarando o tema pelo viés contábil, é uma sociedade na qual pessoas participam. Até aí, nada demais, ok? Se for uma SCP no ramo imobiliário, aí tudo que já foi visto aqui, aqui e aqui se aplica normalmente.
A diferença é que uma entidade pode investir nessa entidade. Aí, pra diferenciar uma da outra, podemos chamar a SCP de entidade investida e o seu sócio de entidade investidora.
A partir disso começa a brincadeira. A SCP apura seu resultado de forma independente e os investidores participam desse resultado. Assim, temos um empreendimento administrado em conjunto, uma joint venture, na qual os investidores (sócios) participam dos ativos líquidos (um nome metido a besta pro que representa o PL).
Trocando em miúdos, você vai ter a contabilidade da SCP e a contabilidade do Sócio. No sócio, você representa o investimento na SCP (normalmente permanente, portanto no ANC). Costumeiramente há influência significativa (coligada) ou controle, então precisamos aplicar o Método de Equivalência Patrimonial nessa brincadeira. Se houver controle, além disso, a controladora precisa ficar atenta. Isso porque é necessário apresentar demonstrações individuais e, adicionalmente, demonstrações consolidadas.
Aliás, eu tenho reparado em como os contadores ficaram agitados com o Bloco K da EFD ICMS/IPI. Eu acho que é porque ainda não olharam o que é o Bloco K da ECD, que é a burocracia que o governo criou para consolidação da contabilidade desses grupos.
Tributação
Desde 2001 a SCP tem vida totalmente independente na escolha de regime tributário. Assim, o regime da SCP e do sócio ostensivo funcionam um independente do outro, como escolhas livres.
Partindo disso, a apuração de tributação da SCP é como de uma empresa qualquer. PIS, COFINS, IRPJ e CSLL apurados separadamente. Fecha os olhos pro ostensivo e olha a SCP sozinha para tudo isso:
- Créditos e débitos
- Prejuízos Fiscais e seu aproveitamento
- Adicional do IRPJ
- Divisão em quotas de IRPJ e CSLL
SCP pode ser do Simples Nacional?
Não. Mas não é porque é uma SCP. É porque nenhuma empresa que tenha sócio PJ pode ser do Simples Nacional. Nem mesmo usar porte de ME ou EPP. Novamente, perceba que se a gente deixa o pânico do tema novo de lado e pensa como qualquer outra empresa, a coisa fica mais tranquila de entender.
Burocracias
Tá, eu sei que isso é chato pra caramba. Mas apesar de sermos contadores, ainda lidamos com burocracias do governo, certo? Então aqui vai uma rápida indicação de particularidades em obrigações acessórias da SCP perante o governo:
- Registro Mercantil: SCP não precisa ser registrada nem em Cartório e nem em Junta Comercial.
- CNPJ: A RFB acha que você não tem mais nada pra fazer e exige inscrição da SCP no CNPJ. Contudo, a SCP existe independente disso ser feito. E inscrever no CNPJ não dá personalidade própria para a SCP (ou seja, as coisas continuam sendo feitas pelo sócio ostensivo).
- DCTF: O Ostensivo envia um arquivo só, contendo os débitos do Ostensivo e os débitos da SCP. Como diferenciar? Códigos de extensão!
- EFD-Contribuições: Um arquivo para o Ostensivo e um arquivo para cada SCP. Cada informação no seu quadrado. O mesmo ocorre na ECD e na ECF.
- DCTFweb: O Ostensivo envia as informações da SCP na declaração do próprio Ostensivo. O mesmo ocorre em eSocial e EFD-Reinf.
- DIRF: Ser sócio ostensivo de SCP te obriga à DIRF. Fora isso, é bem sem emoção, todas as informações do Ostensivo e da SCP vão num arquivo só. Só tem lugar especial pra SCP pra indicar distribuição de lucros. A DIMOB e a DMED também funcionam assim, bem tranquilinhas.
Vantagens de uma SCP
Agora, se você aturou o papo até aqui, vamos a algumas vantagens bem bacanas dessa sociedade.
- O sócio participante não precisa aparecer. Uma estrutura de investimento legal para quando você precisa do dinheiro do investidor, mas não quer a imagem dele associada ao negócio.
- O sócio participante fica mais protegido. Por vezes é necessário oferecer mais garantias para conseguir o investimento. Então o ostensivo ser quem recebe as bombas (clientes, fornecedores, trabalhistas, fiscais) e não os sócios solidariamente, pode ser uma boa vantagem.
- Cada projeto com sua tributação. Você já teve a frustração de ver que uma linha de trabalho da empresa funciona bem no Presumido, mas outra poderia ser muito melhor no Real? Se uma fosse desenvolvida isoladamente pelo Ostensivo e a outra através de uma SCP, isso seria possível.
- Centraliza a identidade de comunicação. Apesar de serem sociedades distintas, como o Ostensivo opera totalmente pela SCP, o grande público não tem um choque de ver dezenas de diferentes empresas como um grupo. No olhar do cliente, trata-se somente de uma empresa (Ostensivo) aparecendo em muitos negócios. Isso dá mais solidez, em muitos casos.
E aí, curtiu? Descomplicou? Gerou dúvidas? Deixe seu comentário aí embaixo pra nós continuarmos a conversa!
Caio,
Pois na minha ignorância eu achava que na condição de simples a empresa não podia participar, mas podia “ser participada – ostensiva”.
Mas, no caso de uma empresa ser SIMPLES ela não pode em hipótese nenhuma montar uma SCP sendo sócio ostensivo?
Então quer dizer que se opto pelo simples eu não posso ter sócio PJ.
Muito obrigado desde já.
Mas achava isso com base em quê? O § 4º do art. 3º da LC 123/06 é taxativo vedando ao enquadramento como ME/EPP tanto quem tem sócio PJ quanto quem participa do capital de outra PJ. Como poderia ser sócio de uma SCP e ser do Simples Nacional se para ser do SN você precisa ser ME/EPP? A conta simplesmente não fecha. Além da Lei já ser expressa o suficiente, a RFB já interpretou isso em Solução de Consulta há alguns anos.
Caso seja empresário da área imobiliária, sugiro verificar isso com seu contador, que poderá dar um suporte bastante adequado quanto a isso. Caso precisem de orientação especializada nisso para seu planejamento societário e tributário, terei satisfação em ajudar.
Forte abraço,
Caio
Bom dia Caio!
Gostaria de um contato seu para cotar seus honorários para um curso presencial ou online em SCP.
Muito obrigado.
David
Opa, tudo bom? Peço a gentileza de mandar uma mensagem para caiomelo@caiomelo.com.br ou no whatsapp para (48)99148-7318. Forte abraço!
Bom dia!
Para protocolar na Receita o instrumento particular de uma SCP é necessário fazer viabilidade, ou seja, DBE?
O que você vai fazer na Receita Federal é justamente o DBE, para obter a inscrição no CNPJ. O instrumento da SCP é só para instruir esse DBE.
Por favor! Como faço um lançamento ao pagamento do sócio oculto?
Do mesmo jeito que faria para qualquer outro sócio. Pense em como você trata os sócios numa limitada: a distribuição de lucro ou a devolução de capital se comportam da mesma maneira aí.
Caio. Parabéns pelo blog e pelos podcasts.
Sou advogado societário e seus conteúdos me ajudam muito em questões operacionais que muitos advogados não fazem a mínima ideia de como são feitas.
Opa!
Fico feliz com isso, Evandro. Um trabalho jurídico-contábil coordenado é a única alternativa para garantir que as empresas cresçam fortes e seguras.
Forte abraço