SCP – Receita Federal e a caça às bruxas

A Receita Federal do Brasil parece ter iniciado uma verdadeira “caça às bruxas” em relação às SCPs utilizadas por serviços profissionais. Em especial, serviços advocatícios parecem estar na mira.

Na semana passada foi publicada a Solução de Consulta Cosit nº 59/19. Nela, a RFB interpretou algo que, pra mim, é extremamente absurdo. Deixa eu te explicar.

Começando do começo

Já falei sobre Sociedade em Conta de Participação (SCP) antes, então não vou retroagir tanto assim. Mas revisando as bases da coisa toda, lembre-se que esse tipo de sociedade é não personificada. É diferente de uma sociedade simples ou de uma sociedade limitada, que estão no grupo de sociedades personificadas (respondem por si próprias).

Além disso, existe no direito empresarial algo a ser considerado, que é o elemento de empresa. O Código Civil cita o elemento de empresa no parágrafo único do art. 966, que é onde começa uma treta que os escritórios de contabilidade conhecem bem: representante comercial pode ser empresário individual? Não vou colocar a mão nesse vespeiro agora, mas é com base nesse tal de elemento de empresa que a resposta costuma ser “não”.

Isso porque o regramento brasileiro deixou de ser pautado no ato de comércio (como era no Código Comercial de 1850) e passou a ser pautado no elemento de empresa. Isso significa que prestações de serviço, aluguel de bens ou participações societárias também constituem empresa, não só a venda de coisas. É lá da época do ato de comércio que vem a expressão “venda de serviço”, mas isso nem é tão importante agora.

Mas pra quê você tá falando disso?

Pra você entender claramente que o elemento de empresa é algo muito mais amplo que a mera classificação de uma natureza jurídica X ou Y. É como se fosse um princípio, uma visão macro da coisa. O elemento de empresa basicamente é você olhar se a entidade tem pessoalidade ou não dos sócios na realização da atividade da empresa. Sendo muito, mas MUITO resumido na questão, se para exercer a atividade da pessoa jurídica os sócios estão pessoalmente envolvidos nisso, podemos dizer que não há elemento de empresa. Se os sócios estão em posições de gestão (ou de mero investimento) e a empresa é estruturada com a contratação de pessoas para exercer as atividades da empresa, então há elemento de empresa. O primeiro tipo é a chamada natureza simples. O segundo tipo é a chamada natureza empresária.

Toda essa volta foi pra dizer o seguinte. Uma sociedade limitada pode ser “simples limitada” ou “empresária limitada”. Porque lugar nenhum diz que a sociedade limitada é necessariamente de um jeito ou de outro. Da mesma forma, lugar nenhum diz que a SCP é necessariamente de natureza simples ou de natureza empresária.

A loucura da Receita Federal

Aí entra a Solução de Consulta Cosit 59/19. A RFB criou uma tese em que o Estatuto da OAB (Lei 8.906/94) veda o uso de SCP em seu art. 15. Mas veja comigo o que diz o caput desse artigo:

Art. 15. Os advogados podem reunir-se em sociedade simples de prestação de serviços de advocacia ou constituir sociedade unipessoal de advocacia, na forma disciplinada nesta Lei e no regulamento geral.

Agora eu fico me perguntando onde, diabos, o auditor fiscal enxergou que isso veda o uso de SCP. Segundo a tese da RFB, a Sociedade em Conta de Participação não é uma sociedade simples, portanto não comporta o exercício de atividade advocatícia. Mas onde, no Código Civil, diz que a SCP necessariamente tem natureza empresária? Lugar nenhum! Alguém me dá o endereço que eu mando um manual de direito empresarial de presente pra esse povo.

Como, aos olhos da RFB, a SCP feita para exercício de atividade advocatícia seria nula, então não há distribuição de lucros aos sócios, cabendo tratar como rendimento tributável.



Não é a primeira vez

A RFB já havia atacado com violência outras SCPs na tentativa de deslocar distribuição de lucros para rendimento tributável. O outro caso emblemático foi a de desconsiderar a SCP porque os sócios participantes atuavam (prestavam serviço).

De fato isso não é a essência da SCP, mas em lugar nenhum há previsão expressa de que isso efetivamente é desvio de finalidade. Assim, apesar do ataque da Receita Federal, o CARF se posicionou de forma mais coerente. Segundo aquele Conselho, a SCP continuaria existindo, mas o fato do sócio participante ter atuado perante terceiros, gera responsabilidade solidária do sócio participante em relação àquelas atos.

Eu gostaria de ver a cara dos auditores da Receita nessa hora…

E agora, o que fazer?

Apesar de ser absurda, na minha visão, essa tese da Receita Federal, é importante saber que ela existe. É importante saber que o fisco vem atacando de forma mais agressiva as SCPs de prestação de serviço (casos de advocacia e medicina vem sendo recorrentes) para colocar isso na balança toda vez que você vai realizar um planejamento societário ou uma estruturação de negócios.

Tudo na vida é uma questão de compreender os padrões. Então, nesse sentido, seja para ser mais conservador ou para mesmo assim utilizar esse tipo de sociedade, é fundamental saber como vem pensando o “lobo mau”… que, cá entre nós, faz muito mais jus à fama da RFB do que um mero leão.

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